Alguns dias atrás saiu esta interessante entrevista com Adriana Amaral, doutora em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná e pesquisadora do CNPq. A entrevista foi concedida para a Gazeta do Povo e tinha como principal tema o movimento “Cala Boca Galvão” e o uso das mídias sociais pela sociedade.
O caso “Cala a Boca Galvão” talvez tenha sido o maior exemplo do poder de mobilização das redes sociais surgido no Brasil. Você acredita que o Twitter tem tanta influência na opinião pública?
O poder da organização e a mobilização das pessoas nos sites de redes sociais reside em algo que é anterior à rede: os atos de conversação cotidiana e as manifestações de compartilhamento de gosto ou de repúdio. Acredito que essa influência ocorra em duas vias: tanto o Twitter influencia a mídia massiva como vice-versa. É esse fluxo comunicacional que aparece em maior grau ou menor grau de acordo com a apropriação do artefato tecnológico.
Por quê?
Essa mobilização aconteceu com tal intensidade por estar relacionado a essa constituição ou senso de “identidade nacional” da qual a Rede Globo sempre se sentiu detentora: a questão de mobilizar a torcida, o sentimento de participação etc, no entanto, era de cima para baixo. Os movimentos pró e contra determinados personagens, cadeias televisivas, sempre existiram, mas estavam mais presentes nas conversações informais. O que muda agora é que, a partir do momento que há uma publicização e visibilidade do que antes era privado, essas conversações amplificam sua eficácia simbólica por meio das tags (palavras-chave), deixando um rastro que pode ser reconstituído e percebido enquanto uma opinião coletiva.
Que tipo de poder é esse? Em maior ou menor grau, estamos todos sujeitos a ele?
É um poder de ordem simbólica, mas que se localiza nas pessoas, é bom lembrar disso. A mobilização vem das pessoas e não da tecnologia em si mesma. As redes apenas facilitam a visualização desse poder. Somos sujeitos desse poder – no sentido de que nós o utilizamos a partir do momento em que nos apropriamos desses ambientes sociais on-line. Não diria que estamos submetidos a um poder como se ele fosse algo externo a nós. O poder é de todos.
As redes sociais tornaram-se um meio rápido de obtenção de informação. É possível ficar sabendo de algo via Twitter antes mesmo de ler a mesma notícia em um site informativo. O que isso representa para a comunicação?
O fato de que a informação foi obtida de forma mais rápida não garante a qualidade dela e também não garante que estamos nos comunicando melhor. No entanto, é fato que essa velocidade nos apresenta desafios e tem impactos na comunicação, principalmente porque, no caso específico do Twitter no Brasil, ele ainda é uma ferramenta de nicho, segmentada, que atinge uma grande parcela de formadores de opinião, pessoas ligadas à comunicação, jornalismo, publicidade, e tecnologia, embora ele esteja em crescimento. Cada vez que alguém posta uma informação e ela é retuitada, essa informação atinge um número muito maior de pessoas que o seu próprio número de seguidores, isso em termos quantitativos. Em termos qualitativos, dependendo de quem informa, o valor dessa informação vai automaticamente ser ampliado.
São frequentes os comentários opinativos em redes sociais sobre músicas, livros e filmes. O tamanho do texto (no caso do Twitter, 140 caracteres) não limitaria a argumentação?
A economia simbólica dos 140 caracteres do Twitter não diminui sua eficácia enquanto mensagem, pois se fosse por isso os slogans publicitários e as chamadas jornalísticas também poderiam ser acusadas do mesmo. Esses comentários estão mais para a recomendação e para a emulação das discussões cotidianas do que para a crítica em si.
A internet, de forma mais ampla, e as redes sociais de forma específica proporcionaram uma espécie de democratização de saberes. Acha-se em algum site um vídeo raro, ou a versão de uma música, e logo compartilha-se via YouTube e Twitter. Como você vê isso?
É um outro tipo de sensibilidade e de audibilidade que nos é proporcionada. Não é melhor e não é pior. Esse compartilhamento dos saberes faz parte do “ritual” de ser fã de alguma banda ou cineasta, por exemplo. As práticas de sociabilidade dos fãs-clubes e cineclubes sempre incluíram as indicações, a troca de materiais, o compartilhamento da memória histórica. A diferença é que estavam mais restritas a um critério meramente geográfico de frequência. Além disso, os encontros presenciais continuam, como no caso dos shows de música ou dos grupos que assistem aos jogos da copa em bares ou locais coletivos.
Que conselhos você daria a um internauta que administra muitas mídias sociais?
Ninguém precisa se tornar “escravo” dos sites de redes sociais. Se eu não trabalho com música não há muitos motivos para eu gerenciar uma conta no Last.fm ou no Myspace. Há que se observar, em primeiro lugar, as funções e o nicho daquela ferramenta. A produção de conteúdo para diversos meios precisa ser pensada de forma distinta. Replicar o mesmo conteúdo nem sempre é a solução, às vezes entedia os leitores/seguidores. Também devemos observar por quem é formada aquela rede, quem são os atores sociais, pois elas variam. Se no Orkut eu tenho mais amigos pessoais e familiares e no Facebook mais contatos de trabalho, meu discurso precisa ser pertinente e coerente. Ninguém precisa estar em todas as redes sociais, embora muitas vezes exista uma pressão social para isso. Devemos utilizar aquilo que é mais adequado ao nosso perfil. Uma última dica é cuidar com o tipo de informação e conteúdo gerado, desde a questão formal (erros gramaticais) até o conteúdo em si. A privacidade é uma questão de negociação: quanto maior o número de informações disponibilizadas, mais fácil de sermos localizados e vigiados.
O que explica o grande sucesso das redes sociais no Brasil?
A cultura brasileira em geral é uma cultura de visibilidade e conversação, no sentido de que “gostamos do olhar do outro sobre nós” e de “saber o que o outro está fazendo”. Além disso, somos uma cultura da “gambiarra”, do “jeitinho”, o que faz com que nos apropriemos de artefatos e ferramentas com uma certa facilidade.
Entrevista retirada daqui.